Refletir sobre a situação do adolescente em conflito com a lei é absolutamente necessário, tendo em vista as discussões que estão presentes na sociedade e nos meios políticos a respeito dessa questão. Trata-se, também, de um tema bastante atual uma vez que se constata o aumento do envolvimento de adolescentes com atos infracionais, inclusive com os chamados crimes hediondos.
Nesse contexto, boa parte da população tem sido convencida de que a alternativa para se lidar com o problema seria a diminuição da maioridade penal e a consequente punição dos adolescentes infratores nos mesmos moldes do que se aplica aos adultos. A posição dos psicólogos, de um modo geral, tem sido a de se colocarem contrários a essa medida, pois a entendem como um equívoco que traria uma resposta imediata à sociedade, ávida por alguma medida eficaz, mas não resolveria os reais motivos que, na origem, levam os adolescentes a entrarem em conflito com a lei.
Bem sabemos que a lei deve valer para todos. No entanto, cada um responde por seus atos de acordo com certas condições, uma delas a idade. No que se refere aos adolescentes temos, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, dentre outras normatizações, prevê as punições a serem aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei. Essas punições, representadas pelas medidas socioeducativas, vão desde a advertência até a privação de liberdade (internação). Portanto, mesmo sem se estender aqui nessa discussão, não é verdade que o ECA colabora para o aumento da violência envolvendo os adolescentes ao não permitir a responsabilização deles. Sem entrar em mais detalhes, o que se percebe, para além de um flagrante desconhecimento da lei, são tentativas de minar um instrumento legal e reconhecidamente avançado quando se trata de lidar com questões que envolvem crianças e adolescentes. Sabe-se, igualmente, que o ECA sequer foi implementado na sua totalidade e que as condições nas quais se dão o cumprimento das medidas socioeducativas também não têm contribuído para sua efetividade.
Outro aspecto importante que precisa ser discutido é a situação dos presídios brasileiros. É de conhecimento amplo que a taxa de reincidência em crimes entre os apenados chega a 70%. Ou seja, há que se questionar se a pena de prisão realmente cumpre o seu propósito de reeducar, mesmo os adultos. Outra questão problemática são as condições dos presídios que, com raras exceções, funcionam como verdadeiras “escolas do crime”, o que diversos estudos e mesmo reportagens dos meios de comunicação não cessam de evidenciar. Então, dadas essas condições, para dizer poucas, quais as chances que um adolescente de 16 anos teria de ser recuperar ingressando nesse sistema? Por mais que se diga que seriam construídas unidades especiais para esses indivíduos até eles completarem 18 anos, não é desconhecido o fato de que, mesmo as unidades atuais para internação de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, são extremamente precárias para exercer a sua função pedagógica. O que faz pensar que essas novas unidades, que receberiam adolescentes para cumprir pena, seriam diferentes?
Finalmente, nunca é demais lembrar que o adolescente ainda é uma pessoa em desenvolvimento e que, por conta dessa condição, não se pode tomar o que acontece com ele como algo definitivo, impossível de transformação. Também se deixa de fora, ao se defender a diminuição da maioridade penal, os determinantes sociais e econômicos envolvidos, o que isenta o Estado e a própria sociedade da sua parte de responsabilidade ao abordar o envolvimento dos adolescentes com atos infracionais. Tomar outros países como referência para defender a proposta de adoção de uma medida radical é igualmente complicado, pois cada povo tem a sua realidade e o que se aplica num país não necessariamente funciona em outro com condições sociais diferentes. Portanto, trata-se de uma questão bastante complexa que não pode ser decidida no calor de acontecimentos que comovem a sociedade e nem a partir de interesses políticos duvidosos.
*Psicólogo, psicanalista e professor da UNIFENAS – Câmpus Varginha (MG)